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Antes de mais nada, é necessário gastar algumas linhas para pensarmos o que "serve" vem a dizer. Costumamos, no senso comum, rotular as coisas por suas funções, e, nesse âmbito, a psicanálise é vista como parte das práticas de saúde. O que está correto, mas está incompleto. Isso porque a cura, na psicanálise, é um cuidado de si, e não necessariamente a eliminação de um sintoma. Sabemos, até mesmo dentro do contexto médico-fisiológico (que tomo como exemplo por ser mais comum à experiência geral), que há sintomas que não conseguimos eliminar, mas que podem ser tratados. A psicanálise vai mais-além, ela vê, em determinadas formações sintomáticas do inconsciente, algo que é próprio da constituição de um sujeito, em outras palavras, algo que ele produz para sobreviver e se organizar diante da vida. Há sintomas pontuais que são (até muito rapidamente, quando tratamos a causa) dissolvidos, mas a maneira como alguém se organiza subjetivamente e com a qual equaciona, dentre outras coisas, seus modos de sofrer (as estruturas psíquicas: neurose, psicose, autismo e perversão) não pode ser dissolvida. Ela pode, entretanto, ser trabalhada, gerando maior qualidade de vida. O modo de trabalho com cada umas das estruturas psíquicas difere, assim como difere o atendimento de crianças, adolescentes e adultos.
Além disso, o tratamento que leva a essa cura é amparado num processo de investigação de si. Nesse contexto, são investigados os lugares em que nos posicionamos em relação aos outros e ao mundo; os nossos modos de dominação (como exercemos e nos afetamos pelas relações de poder); os nossos modos de confrontação da verdade; a nossa experiência com a linguagem; os nossos modos de amar; os nossos modos de exercer a sexualidade; etc. Nesse sentido, as contribuições da psicanálise para a sociedade vão muito além de seu contexto clínico, e vinculam a psicanálise à medicina, à cultura, ao direito, à educação, às ciências sociais, à filosofia, às artes, etc. À título de exemplo, temos os clássicos "Psicologia das Massas e Análise do Eu", em que Freud faz um estudo social e psicológico sobre o nazismo, ligando psicanálise às questões políticas, e "Quando os filhos precisam dos pais", em que Françoise Dolto esclarece algumas questões que surgem na educação parental, ligando psicanálise à área da educação. Diante desse cenário, podemos perceber que não há uma única resposta, universal e direta, para a pergunta do "para que serve?", mas cabe a cada sujeito dizer o que a experiência com a psicanálise o proporcionou.
Do ponto de vista da terapêutica clínica, podemos dizer que a psicanálise serve para ajudar as pessoas a compreender e lidar com seus conflitos, traumas, problemas relacionais, afetos reprimidos, padrões de comportamento destrutivos e uma série de outras questões que podem estar causando sofrimento e/ou dificuldades na vida. Ao longo do processo psicanalítico, o analisando explora a linguagem pela fala (na qual comparecem seus posicionamentos, crenças e associações) permitindo que conteúdos inconscientes venham à tona. Tal processo provoca uma transformação na forma como a pessoa se relaciona consigo mesma e com os outros.
Isso porque a pessoa deixa de estar completamente à mercê do inconsciente, ou seja, deixa de ser apenas um fruto "do que foi feito com ela", "das expectativas dos outros", "das experiências que viveu", "do que aprendeu", "do seu conjunto de crenças", "de suas certezas conscientes" e passa a perceber que há algo mais que pode ser feito com tudo isso, o que a reconecta ao seu desejo. Esse "algo mais", no fundo, sempre existiu, mas o indivíduo não se dava conta ou não se permitia acessar, pois seus laços amorosos e/ou dolorosos muitas vezes o bloqueavam. Nesse sentido, o processo analítico respeita a delicadeza e a complexidade de cada situação. Sem ignorar a importância da biologia, da história ou dos fenômenos sociais, a análise convida o sujeito a se questionar sobre a verdade de si mesmo presente em uma situação-problema, trazida à análise, ou melhor, no discurso que a engendra, ao mesmo tempo em que aponta para a responsabilidade subjetiva envolvida.
A respeito desse aspecto, denominado "retificação subjetiva" (ligado ao tratamento das neuroses), Sigmund Freud, pai da psicanálise, formulou a pergunta "qual é a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?". Assim, a psicanálise possibilita que uma pessoa reconheça os lugares inconscientes que ocupa nas suas relações com os outros e com o mundo e dessa forma questione e se implique com tais posições, criando aberturas naquilo que estava "cristalizado", além de novos contornos. Desse modo, longe de imputar culpa a um sujeito, a psicanálise resgata o desejo fixado de uma pessoa e devolve sua função de operabilidade e de ligamento social. Ela é, nesse sentido, uma experiência que amplia as nossas condições de emancipação e de liberdade. No fim, uma análise serve para não morrermos (enquanto sujeitos desejantes) em vida.
Em resumo, a psicanálise visa proporcionar um caminho para a cura que envolve compreender a verdade inconsciente contida em um adoecimento, bem como envolve uma autorização criativa que nos possibilita fazer com um sintoma-adoecedor algo que não se encerre no mero adoecimento, dito de outro modo, algo que é do nível de uma invenção singular e que amplia o nosso leque de possibilidades diante da vida. Dessa forma, uma análise proporciona ao sujeito uma posição crítica, responsável, ativa e criativa.